A
SIMBOLOGIA MÚLTIPLA E A CONJUNTURA SOCIAL PRESENTE EM “A VELHA QUERIDA”, DE
DALTON TREVISAN
Dalton Trevisan, autor que valoriza
as intertextualidades, é enigmático tal qual o conteúdo presente em suas obras.
“Novelas Nada Exemplares” o primeiro livro do autor, publicado em 1959, cujo
título é uma adaptação do livro “Novelas exemplares” de Miguel de Cervantes e
por meio da mesma se destacou como contista, dedicando-se inteiramente a este
gênero, tendo apenas publicado um romance “A Polaquinha”. “Novelas Nada
Exemplares“ trata de ações do cotidiano, no entanto expressas de um modo
incomum, enigmático, tal qual o conto “A Velha Querida”, nosso objeto de
estudo. No que se trata da diegese, em “A Velha Querida”, tem-se exposta a ida
de um “homem de linho branco” ao bordel, essa ida ao prostíbulo se dá de um
modo muito incomum, sendo expressa por meio de inúmeros símbolos que trazem
para o conto uma carga enigmática muito forte. Assim, as moscas, o defunto, o
velório, a procissão, as casas decrépitas, os relógios, a boneca e os demais
elementos que fazem parte da história trazem consigo uma simbologia
significativa e múltipla, o que confere à narrativa em questão as marcas
relevantes de excesso e maestria de Dalton Trevisan.
Dando ênfase aos elementos da
narrativa, tem-se um narrador heterodiegético, em 3ª pessoa “(eles) enfiavam de
súbito a cabeça” (p.85), narrador onisciente e onipresente, que narra na
perspectiva da neutralidade e exerce a função de regência, isso por meio da
inserção das falas de algumas personagens, utilizando para isso discursos diretos “- volta, nón? / - Como é seu nome? /
- Pergunta por Sofia” (p.92) e monólogo interior “ “Posso ir para casa”, pensou
o moço, “abraçar minha mulher e beijar meus filhos. Agora me sinto bem.” (p.
93). No que se trata do tempo, a narrativa inicia-se com a inferência do tempo
cronológico “Ao calor das três da tarde[...]” (p.84), sendo a mesma evidenciada
em várias outras passagens da narrativa, no entanto o tempo psicológico é muito
acentuado “Quisera ser Ramon Novarro, enquanto lá do corredor chegava o eco das
carpideiras” (p. 91), no exemplo citado não se é possível afirmar se “o eco das carpideiras” fazem parte das
lembranças ou se o personagem as ouve no presente, e isso ocorre em muitos
outros trechos da narrativa.
Em se tratando ainda
dos elementos da narrativa pode-se perceber que o espaço do conto é a cidade de
Curitiba, sendo que o mesmo encontra-se dividido em dois cenários, o primeiro
se passa numa rua, local aberto e público, por isso disponível para toda e qualquer
pessoa, urbano “ruas”, “asfalto mole,” de modo que pode simbolicamente
representar a liberdade. O segundo cenário é um prostíbulo, local fechado, sujo,
fétido, com casas decrépitas, presença de “moscas”. Esse lugar fechado e sujo
tem uma interação com as personagens, no caso as prostitutas, socialmente, mulheres sujas e excluídas uma vez que o sexo
é visto como sujo para sociedade, principalmente, se for pago. Quanto aos
homens, por estarem nesse local, pode – se dizer que eles também estão sujos.
Quanto à ambientação pode-se dizer que o ambiente é de exclusão social,
desvalorização do ser e prostituição.
Dentre as temáticas expostas no
conto tem-se a presença do sagrado versus profano. No início do conto, entende-se
a intertextualidade da passagem bíblica da “sarça ardente” (p. 84), ou seja um ambiente
considerado sagrado enfatizado por um personagem contraditório que dirige-se a
um prostíbulo. No encontro do homem com a velha, nota-se que apesar dele está diante
de desejos profanos ao mesmo tempo se contradiz quando pensa em Deus ou em
rezar, "Deus louvado, tenho a minha velha,
eu que não mereço a última das mulheres, pois nenhuma é suficientemente indigna
para mim" (p. 89). Os elementos presentes sugerem uma religiosidade desse
ser, no pensar em rezar no momento do ato proibido, pois o homem que
aparentemente é solitário, mas o leitor se depara no final do conto com um homem
casado e com filhos. A hipocrisia da sociedade é revelada no trecho “Posso ir
para casa” [...] “Tudo já passou, estou bem. Não foi nada. Já passou. Agora
estou bem.” (p. 93). Visto que, esse homem volta para casa como se nada tivesse
acontecido, ou seja, vive de aparências, tal qual a sociedade. É possível notar
a desvalorização do ser feminino, pois as mulheres são comparadas ao relógio
que é um objeto “Assim estivesse atrás de um relógio, examinava cada uma delas,
detendo-se às portas e, como os outros, introduzia a cabeça a fim de encarar as
damas ou relógios que marcavam todos a mesma hora. (p. 86), tem-se exposta em
“A Velha Querida” a desvalorização do ser, em especial do ser feminino.
A irremediável passagem
do tempo, principal temática no conto em questão, faz-se visível na múltipla simbologia
que permeia toda a narrativa. Assim “os relógios” e “a
boneca” possuem um valor considerável no conto, haja vista a conotação de tais
elementos no que se trata do tempo e da passagem do mesmo. É possível notar que a ênfase nos relógios representa a crucial e ininterrupta
passagem do tempo, sendo na personagem “Sofia”, a velha, a grande evidência e
resquícios dessa comprovada passagem. As
mulheres no conto comparadas a relógios, “o rapaz de linho branco acreditava-se
numa loja de relógios”(p. 86), expressam que essas mulheres embora ainda jovens,
sofrerão a passagem do tempo, tal qual “a velha”. A boneca é expressa no conto
em uma comparação à velha “- Ela é você, querida. É você a boneca” (p.89), como
uma representatividade da antítese infância versus velhice, pois a boneca
remete à infância.
Trabalho produzido por: DAYANE MARIA SILVA MARINHO; GEANE RIBEIRO DE SOUSA TORRES; MARIA CRISTINA FERNANDES DE OLIVEIRA; MARIA FRANCIANE HOLANDA COSTA; MAYARA MÁGNA MATOS DOS REIS FREIRE.
REFERÊNCIAS
NETO, Miguel Sanches. Biblioteca Trevisan. Curitiba, Editora UFPR, 1996.
NICOLATO, Roberto.
Novelas nada exemplares e a
antecipação de processos narrativos em Dalton Trevisan. Disponível em: http://pt.slideshare.net/1960RobertoNicolato/dalton-novelas-nada-exemplares.
Data do acesso: 16/06/2014.
SANTANA, Gilberto Freire de . Teoria
da Literatura: a narrativa. Imperatriz: UEMA, 2012.
SOUSA, Geraldo Majella de. Repetição, crueldade e trauma: Reflexos dos confrontos suburbanos
na narrativa de Dalton Trevisan. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-7XRG6X/tese_completa_e_revisada.pdf?sequence=1
. Data do acesso 19/06/2014.
TREVISAN, Dalton. Novelas nada exemplares. Rio de Janeiro: Record, [s.d.].
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