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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Análise sobre o conto "A velha Querida" de Dalton Trevisan.

A SIMBOLOGIA MÚLTIPLA E A CONJUNTURA SOCIAL PRESENTE EM “A VELHA QUERIDA”, DE DALTON TREVISAN

            Dalton Trevisan, autor que valoriza as intertextualidades, é enigmático tal qual o conteúdo presente em suas obras. “Novelas Nada Exemplares” o primeiro livro do autor, publicado em 1959, cujo título é uma adaptação do livro “Novelas exemplares” de Miguel de Cervantes e por meio da mesma se destacou como contista, dedicando-se inteiramente a este gênero, tendo apenas publicado um romance “A Polaquinha”. “Novelas Nada Exemplares“ trata de ações do cotidiano, no entanto expressas de um modo incomum, enigmático, tal qual o conto “A Velha Querida”, nosso objeto de estudo. No que se trata da diegese, em “A Velha Querida”, tem-se exposta a ida de um “homem de linho branco” ao bordel, essa ida ao prostíbulo se dá de um modo muito incomum, sendo expressa por meio de inúmeros símbolos que trazem para o conto uma carga enigmática muito forte. Assim, as moscas, o defunto, o velório, a procissão, as casas decrépitas, os relógios, a boneca e os demais elementos que fazem parte da história trazem consigo uma simbologia significativa e múltipla, o que confere à narrativa em questão as marcas relevantes de excesso e maestria de Dalton Trevisan.

            Dando ênfase aos elementos da narrativa, tem-se um narrador heterodiegético, em 3ª pessoa “(eles) enfiavam de súbito a cabeça” (p.85), narrador onisciente e onipresente, que narra na perspectiva da neutralidade e exerce a função de regência, isso por meio da inserção das falas de algumas personagens, utilizando para isso discursos  diretos “- volta, nón? / - Como é seu nome? / - Pergunta por Sofia” (p.92) e monólogo interior “ “Posso ir para casa”, pensou o moço, “abraçar minha mulher e beijar meus filhos. Agora me sinto bem.” (p. 93). No que se trata do tempo, a narrativa inicia-se com a inferência do tempo cronológico “Ao calor das três da tarde[...]” (p.84), sendo a mesma evidenciada em várias outras passagens da narrativa, no entanto o tempo psicológico é muito acentuado “Quisera ser Ramon Novarro, enquanto lá do corredor chegava o eco das carpideiras” (p. 91), no exemplo citado não se é possível afirmar se   “o eco das carpideiras” fazem parte das lembranças ou se o personagem as ouve no presente, e isso ocorre em muitos outros trechos da narrativa.

            Em se tratando ainda dos elementos da narrativa pode-se perceber que o espaço do conto é a cidade de Curitiba, sendo que o mesmo encontra-se dividido em dois cenários, o primeiro se passa numa rua, local aberto e público, por isso disponível para toda e qualquer pessoa, urbano “ruas”, “asfalto mole,” de modo que pode simbolicamente representar a liberdade. O segundo cenário é um prostíbulo, local fechado, sujo, fétido, com casas decrépitas, presença de “moscas”. Esse lugar fechado e sujo tem uma interação com as personagens, no caso as prostitutas, socialmente,  mulheres sujas e excluídas uma vez que o sexo é visto como sujo para sociedade, principalmente, se for pago. Quanto aos homens, por estarem nesse local, pode – se dizer que eles também estão sujos. Quanto à ambientação pode-se dizer que o ambiente é de exclusão social, desvalorização do ser e prostituição.

            Dentre as temáticas expostas no conto tem-se a presença do sagrado versus profano. No início do conto, entende-se a intertextualidade da passagem bíblica da “sarça ardente” (p. 84), ou seja um ambiente considerado sagrado enfatizado por um personagem contraditório que dirige-se a um prostíbulo. No encontro do homem com a velha, nota-se que apesar dele está diante de desejos profanos ao mesmo tempo se contradiz quando pensa em Deus ou em rezar, "Deus louvado, tenho a minha velha, eu que não mereço a última das mulheres, pois nenhuma é suficientemente indigna para mim" (p. 89). Os elementos presentes sugerem uma religiosidade desse ser, no pensar em rezar no momento do ato proibido, pois o homem que aparentemente é solitário, mas o leitor se depara no final do conto com um homem casado e com filhos. A hipocrisia da sociedade é revelada no trecho “Posso ir para casa” [...] “Tudo já passou, estou bem. Não foi nada. Já passou. Agora estou bem.” (p. 93). Visto que, esse homem volta para casa como se nada tivesse acontecido, ou seja, vive de aparências, tal qual a sociedade. É possível notar a desvalorização do ser feminino, pois as mulheres são comparadas ao relógio que é um objeto “Assim estivesse atrás de um relógio, examinava cada uma delas, detendo-se às portas e, como os outros, introduzia a cabeça a fim de encarar as damas ou relógios que marcavam todos a mesma hora. (p. 86), tem-se  exposta em “A Velha Querida” a desvalorização do ser, em especial do ser feminino.

            A irremediável passagem do tempo, principal temática no conto em questão, faz-se visível na múltipla simbologia que permeia toda a narrativa. Assim “os relógios” e “a boneca” possuem um valor considerável no conto, haja vista a conotação de tais elementos no que se trata do tempo e da passagem do mesmo. É possível notar que a ênfase nos relógios representa a crucial e ininterrupta passagem do tempo, sendo na personagem “Sofia”, a velha, a grande evidência e resquícios dessa comprovada passagem.  As mulheres no conto comparadas a relógios, “o rapaz de linho branco acreditava-se numa loja de relógios”(p. 86), expressam que essas mulheres embora ainda jovens, sofrerão a passagem do tempo, tal qual “a velha”. A boneca é expressa no conto em uma comparação à velha “- Ela é você, querida. É você a boneca” (p.89), como uma representatividade da antítese infância versus velhice, pois a boneca remete à infância.

            Por fim, Observa-se que o rapaz procurava alguém que fosse capaz de saciar sua “tara sexual”, não uma mulher qualquer, mas uma velha decrépita, Dalton expõe no conto de modo grotesco, com excessos uma relação que não condiz com os padrões estabelecidos pela sociedade, pois indubitavelmente, vive-se numa sociedade consideravelmente preconceituosa que não admite a relação de um jovem com uma senhora na terceira idade, e o tempo é responsável por causar essa extremidade. Assim, chega-se a um ponto crucial quando se trata da base antitética novo/velho, que é a desvalorização do velho em detrimento do novo, uma verdadeira objetificação do idoso, um objeto descartável, passível de esquecimento, pois a velha no conto é ressaltada tal qual um objeto “tantos anos esquecida na cadeira amarela de vime”(p.88) remete-se então a representação do idoso em nossa sociedade, pois quando a velha é “relembrada” pelo homem, causa repulsa e estranheza, como se a velha merecesse ser esquecida.


Trabalho produzido por: DAYANE MARIA SILVA MARINHO; GEANE RIBEIRO DE SOUSA TORRES; MARIA CRISTINA FERNANDES DE OLIVEIRA; MARIA FRANCIANE HOLANDA COSTA; MAYARA MÁGNA MATOS DOS REIS FREIRE.

REFERÊNCIAS

NETO, Miguel Sanches. Biblioteca Trevisan. Curitiba, Editora UFPR, 1996.

NICOLATO, Roberto.    Novelas nada exemplares e a antecipação de processos narrativos em Dalton Trevisan. Disponível em: http://pt.slideshare.net/1960RobertoNicolato/dalton-novelas-nada-exemplares. Data do acesso: 16/06/2014.

SANTANA, Gilberto Freire de . Teoria da Literatura: a narrativa. Imperatriz: UEMA, 2012.

SOUSA, Geraldo Majella de. Repetição, crueldade e trauma: Reflexos dos confrontos suburbanos na narrativa de Dalton Trevisan. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-7XRG6X/tese_completa_e_revisada.pdf?sequence=1 . Data do acesso 19/06/2014.

TREVISAN, Dalton. Novelas nada exemplares. Rio de Janeiro: Record, [s.d.].





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